Sobre o ensino de pintura.




   Atelier de George Braque




... a linguagem é uma busca incessante, permanente, uma inquietação,
pois se a natureza da visão nunca se dá por terminada, a linguagem, do mesmo modo,
se re-elabora em cada obra e em cada momento da formação da obra.
Marcelo Duprat [1]





1-       Qual é a importância de ensinar pintura?
2-       A arte estimula a criatividade e a imaginação. Qual é a função da pintura para valorizar este estimulo?
3-      Em que medida a aula de pintura desenvolve a criança e o adolescente?

Acredito que o principal objetivo da aula de pintura é desenvolver a percepção do aluno, através do olhar. A pintura e o desenho estimulam a observação e o registro de figuras, espaços e objetos; assim como a percepção do volume, da luz e da sombra, das texturas e das superfícies, enfim a compreensão de como se constitui o mundo visual.
Para que isto ocorra é necessária a compreensão da linguagem pictórica, por meio da reflexão sobre as relações entre o desenho e a cor.
É fundamental o conhecimento dos meios técnicos, do suporte, dos vários tipos de tintas e solventes que resultarão na chamada “matéria pictórica”, através das misturas de cores, das pinceladas, das coberturas, das transparências (veladuras), da modelagem e do acabamento.
O conhecimento e o domínio da técnica aumentam as possibilidades expressivas, conferindo maior liberdade ao artista.
A técnica está subordinada à poética, ela deve ser adequada para responder às demandas do projeto artístico (e não o contrario). Sem projeto artístico não há técnica. Sem projeto artístico, a técnica passa a ser conhecimento inútil, vazio, sem aplicação.

4-     Como aulas de pintura podem melhorar a qualidade de vida de uma pessoa adulta? E quais podem ser estas melhorias?  

A arte (não somente a pintura) é o espelho que amplia o universo do indivíduo, libertando a sua imaginação. A obra de arte deve provocar sentimentos, sensações, percepções, lembranças, idéias e raciocínios.
O individuo precisa dispor de meios para expressar a sua experiência no mundo e refletir sobre ela. Não importam quais sejam estes meios, pode ser a pintura, o desenho, a fotografia, a música, a poesia, o teatro, a dança.

5-      A pintura tem suas próprias características, como técnica artística. Quais são as principais para o ensino desta, e por quê?

Em primeiro lugar, é importante estar ciente de que ninguém se torna pintor do dia para a noite. A pintura exige uma dedicação extrema, demanda um treinamento diário intenso durante muito tempo. O sistema de ensino de uma aula semanal de duas horas proporciona apenas uma introdução ao assunto.
Em segundo lugar, deve-se estar preparado para enfrentar as aventuras do trabalho criativo.
Paul Klee nos ensina: “Ademais, para se obter êxito é essencial que nunca se trabalhe já de início com uma impressão do quadro concebida de antemão. Ao contrário, é preciso entregar-se àquilo que vai se formando na área a ser pintada”.[2]
O interesse da pintura reside neste mistério: o processo de criação é um lance de dados.
Durante as aulas de pintura, passamos informações técnicas, cujo conhecimento não é suficiente para a realização do trabalho. A pessoa deve sentir-se livre para criar, correr riscos. O respeito excessivo às regras pode transformar este conhecimento numa “camisa de força”, que limita a expressão do individuo. O aluno não pode ter medo de cometer erros.
Este é um problema para o ensino de pintura: é uma linguagem consolidada. Há uma tradição de pintura. Esta tradição possui suas próprias regras: é recomendável conhecê-las, respeitá-las, porém não precisamos ser cerimoniosos com ela. Essas são as sutilezas de uma arte em que tudo é permitido, não se distinguindo com clareza o certo e o errado. Como transmitir este limite?

               
6-     Com o avanço dos meios tecnológicos na criação de trabalhos artísticos, a prática da pintura esta sendo deixada de lado. Por que é importante valorizar esta técnica?

A prática da pintura está sendo deixada de lado porque as pessoas tendem a supervalorizar os meios tecnológicos citados.
É importante esclarecer qual é a prática de pintura que está desvalorizada: é a chamada “pintura de cavalete”.
A pintura, conceitualmente, continua sendo praticada com muita vitalidade de outras maneiras, com outros formatos, em outros contextos e ambientes menos solenes.
A pintura continua sendo praticada através dos recursos do computador, da fotografia, do cinema. Inúmeros filmes são construídos a partir de referências pictóricas. Existe o chamado “raciocínio pictórico”. O artista que o possuir poderá fazer pintura independente do recurso técnico utilizado.
O graffiti, por exemplo, é uma manifestação típica da cultura urbana, é a retomada da antiga pintura mural. Ao deslocar a pintura do espaço restrito do museu para o espaço público da cidade, estabelece-se uma nova relação com a escala da paisagem urbana e com o espectador em constante movimento. O homem urbano atual não tem tempo para ficar parado defronte ao quadro apreciando os detalhes do desenho e as sutilezas da cor. O fato implica numa adaptação à sensibilidade mais exagerada e agressiva do usuário desta nova cidade. O resultado é muito diferente daquela pintura clássica, religiosa ou aristocrática de origem européia que nós aprendemos a gostar.

7-      Conte sobre sua experiência como professor de pintura?

Preocupo-me, principalmente, com os processos de abordagem da criação pictórica.
Sendo a pintura uma forma de linguagem, eu coloco a seguinte questão: como o aluno pode apropriar-se desta linguagem e, a partir daí, desenvolver o seu trabalho com personalidade?
Durante as aulas, procuro demonstrar as várias possibilidades de acesso à linguagem pictórica, criando situações nas quais o aluno possa ter experiências amplas, abertas, esclarecedoras; com as quais descubra o seu próprio método de trabalho.
O aluno precisa ter autonomia, aprender a caminhar sozinho para continuar produzindo após o término do curso sem depender do professor para escolher os temas e os procedimentos corretos para a realização do seu trabalho.
O aluno deve ter consciência de que nada está definitivamente pronto, tudo pode ser descoberto, e o que é mais importante, tudo pode ser refeito. Basta ter senso crítico, descobrir o que lhe move e assim construir a sua poética individual.

Domingo 18 de setembro de 2011.


[1] PEREIRA, Marcelo Duprat. A Expressão da Natureza na Obra de Paul Cézanne. Rio de Janeiro, Sette Letras, 1998, p. 51.
[2] KLEE, Paul. Diários. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.271.



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