SÃO PETERSBURGO



Noites Brancas


Por Lidia Izecson                   
       Brancas, branquíssimas, assim são as pernas das moças russas nesse verão. Os braços, também brancos, roliços, brigam com as mangas que querem aprisioná-los. Elas andam nas margens do Rio Neva respirando os ares da abertura. Parecem ignorar os muros do século XVIII, as pontes, as igrejas com torres em forma de cebola , os  palácios de verão e inverno, de Pedros, Alexandres, Catarinas.


      Ainda estou olhando para elas quando vejo que o relógio da torre marca onze horas. Preciso dormir, penso. A noite chegou, chegou? Procuro, não encontro, onde se escondeu? São noites brancas dizem as moças, brancas como nós, leitosas, transparentes, sem trevas, aparecem entre maio e julho


      Intrigada, volto ao hotel sabendo que preciso dormir. Às três e meia da manhã um mistério levanta meus cabelos e abro as janelas pálida de espanto. Ora direis, ouvir estrelas, mas onde as estrelas? Só há luz, claridade e o meu encantamento. Resolvo sair, me misturar com a brancura. Visto meus melhores passos e já estou na Av. Niévsky me embriagando com o silêncio que encobre os palacetes, e os palacetes, e os palacetes, debruçados nos bordados dos gradis de ferro. Neles prendo minha respiração para melhor ouvir os sinos da Catedral de Santo Isaac.

      Os bronzes em festa cantam alto anunciando para todos que fui enfeitiçada por aquela cidade. Não pelos ouros e lapislázuli dos palácios, nem pelos Rembrands, Renoirs, Tizianos, Caravaggios, Picassos ou Leonardos da Vinci do Museu Ermitage, mas sim por dois senhores; Tolstoi  e Dostoievsky, que me deram as mãos e, sem falar de guerra ou de paz, de crime ou castigo, subiram e desceram comigo por muitas pontes enfeitadas com leões, até que chegamos a uma casa simples, pequena, incomum naquele lugar de arquitetura soberba.

      Quem moraria lá? Espio pela janela uma luz baça, e a moça mais baça ainda que repousa na poltrona. Bato e nada se altera. Bato mais forte. A porta se abre de repente e tudo continua como estava. Quem é você?, pergunto. Sou a dona das noites brancas, não sabe? E o que faz a dona das noites brancas? Cuida para que elas não se machuquem, não escureçam. E como faz isso?, indago encarando aqueles olhos de açúcar. É segredo que não se conta, todas as moças da cidade o fazem, aprendemos com nossas mães, que aprenderam com suas mães, com suas mães, com suas mães, com suas mães. No meio da frase ela adormeceu e eu saí de mansinho. Entendi que as guardiãs da beleza da cidade são aquelas moças brancas, quase nuvens, que deslizam pelo rio Neva e passeiam pela Av. Névsky.

Lidia Izecson Pedagoga, escritora, vidreira, mulher, mãe… é no fazer e refazer das palavras que se encontra melhor. Já publicou textos sobre educação, muitos contos em revistas infantis, Cadê o meu Avô, pela Editora Biruta e o almanaque Cortes e Recortes da Terra Paulista, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que ganhou o prêmio Jabuti de 2006 como melhor obra paradidática para jovens. Em 2009 integrou a coletânea Outra Quarta Feira, da Editora Terceira Margem e no dia 9 de agosto próximo participa com mais 14 autores do lançamento do livro A Medida de Todas as Coisas, da Editora RDG, que reúne 22 contos que falam sobre pai.









































































































Comentários

Marcio Périgo disse…
Mario, muito bonita esta poesia
que não conhecia do Baudelaire,é uma densa homenagem a arte e aos artistas. As fotos que mais admirei foram as que aparecem personagens. Era um dia de festa em São Petersburgo? 

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