AS FOTOS DE WALTER MENEZES






O graffiti é a manifestação da cultura urbana que pretende resgatar a antiga pintura mural. Ao deslocar a pintura do espaço restrito do museu para o espaço público da cidade, estabelece-se uma nova relação com a escala da paisagem urbana e com o espectador em constante movimento. O homem urbano não dispõe de tempo para ficar parado defronte a um quadro no museu apreciando os detalhes do desenho e as sutilezas da cor. O fato implica numa adaptação à sensibilidade mais exagerada e agressiva do usuário desta nova cidade. O resultado é muito diferente daquela pintura clássica, religiosa ou aristocrática de origem europeia que nós aprendemos a gostar.

As fotos de Walter Menezes (www.instagram.com/wmarqui) mostram a paisagem urbana tal como ela se apresenta, sem a idealização ou a ordenação dos elementos que a compõem. Apresentam o aspecto efêmero da cidade em constante mutação. Construção e destruição. Ao rasgar o cartaz, o transeunte provoca uma colisão entre a palavra do cartaz superposto com a palavra do cartaz coberto, revelando o lirismo espontâneo das ruas.
  
A imagem da cidade é feita por todos, é coletiva: por quem afixa o cartaz e por quem o rasga. Pelo tipógrafo que compôs o cartaz e pelo servente que construiu o andaime onde ele foi afixado.

O papel do artista, enquanto portador da consciência subjetiva, é o de mediador entre a natureza (caótica, efêmera, sem lógica e sem racionalidade) e a obra-de-arte, ou seja, a consciência objetiva (duradoura, categorizada, idealizada, estruturada, autônoma e lógica).[1] Uma metrópole com as dimensões e características da cidade de São Paulo, também pode ser genericamente considerada caótica, efêmera, sem lógica ou racionalidade, assim sendo, podemos também conferir ao artista o papel acima proposto.

Ver a realidade através da pintura é uma inversão semelhante à postura que desejava ver a natureza através da arte, ou seja, reinventar a natureza. A rusticidade, a aspereza e a rugosidade, foram qualidades estéticas colocadas em evidência pelo pinturesco, ou pitoresco, conceito formulado no século XVIII, através do qual a natureza era vista com o olhar do pintor. O conceito estava relacionado com a visão da natureza e não do espaço construído. O olhar que seleciona muros cobertos com pintura e desenhos para registro fotográfico pode também ser classificado de “pitoresco”, embora neste caso, o objeto da observação não seja mais a natureza, mas a cidade. Olhar urbano, de quem viveu a experiência urbana.

Pintar, cobrir, vedar e raspar, são procedimentos recorrentes na elaboração de uma obra pictórica que pretenda, através do ato criativo, resgatar a memória, a fantasia e a tradição. As obras-primas da pintura contemporânea não estão nos ateliês e sim na própria cidade. As melhores pinturas, atualmente, estão sendo produzidas pelo homem urbano, pelo usuário da cidade que, com a ajuda do Sol, da chuva e do vento está deixando suas marcas, suas inscrições, sua escrita na história da cidade. É a re-invenção cotidiana da cidade.

Cidade que pode ser lida, como um livro.  As cores, a justaposição e a superposição de camadas de tintas, os desníveis, a colagem das imagens, as veladuras, os gestos, a materialidade constituem o argumento.  Os planos verticais, os muros, as paredes, os tapumes, as empenas e fachadas, são as páginas deste livro. São os suportes de uma poética mural anônima, imprevisível e bruta.

As fotos de Walter Menezes conferem sobrevida à imagens efêmeras, revelando um olhar de quem deseja tocar a superfície das coisas. Ver a cidade através das fotos de muros é observá-la com olhar não somente visual, mas tátil, associado ao sentido do tato. Olhar que deseja tocar a cidade, tocar a pele da cidade. MF





[1] MENNA, F. La Opción Analítica en el Arte Moderno. Figuras e Iconos. Barcelona: Gustavo Gili, 1977, p. 24.

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